A construção da 1ª Conferência Livre Popular dos Movimentos Culturais da Cidade de São Paulo. Por Professor Betinho

Ocorreu nos dias 21, 22 e 23 de maio de 2021, de forma virtual por conta da pandemia, a 1ª Conferência Livre Popular dos Movimentos Culturais da Cidade de São Paulo com a finalidade de construir novos caminhos para a produção cultural no município a partir do Plano Municipal de Cultura. Foi organizada pelo Coletivo Movimentos Culturais da Cidade de São Paulo (MCCSP), que foi criado no ano de 2018 e é atualmente composto por dezenas de movimentos, fóruns, entidades e coletivos que, desde 2015, estão na luta por “soluções de interesse do setor cultural e pela efetivação das políticas culturais na cidade, mais acessíveis, democráticas e por um orçamento da Cultura que fomente a gigantesca diversidade da produção cultural do município”, como indica material de divulgação do evento.

Trata-se de um movimento inédito, feito exclusivamente por integrantes da sociedade civil, com a participação de artistas, coletivos, equipes técnicas e trabalhadores da cultura em geral, de todas as regiões da cidade e das diversas linguagens artísticas, com o objetivo de mobilizar, articular, difundir e discutir o Sistema Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, bem como desenvolver seu Conselho, Plano e Fundo Municipal de Cultura.

Em tempos de tantos ataques às políticas públicas de Cultura arduamente construídas, vindos de diferentes esferas governamentais (municipais, estaduais e, principalmente, na esfera federal), faz-se necessária essa articulação para resistir e avançar. 

As conferências municipais de Cultura são espaços democráticos de debate e construção coletiva de propostas de organização das políticas públicas de Cultura no município, com estabelecimento de metas e prioridades às demandas culturais. Por lei, devem ocorrer a cada dois anos, organizadas pelas prefeituras em parceria com a sociedade civil, mas, aqui em São Paulo, elas não ocorrem desde 2017.  

Foram realizadas pelas coletividades culturais, entre os meses de abril e meados de maio, diversas Pré-Conferências preparatórias, organizadas por regiões onde os artistas atuam ou moram (Pré-Conferências territoriais) e/ou por linguagem artística (Pré-Conferências setoriais) para levantar as metas e prioridades para cada território e linguagem. A Pré-Conferência do Fórum de Cultura de Cidade Ademar, Pedreira e Jabaquara e outros distritos da Zona Sul, por exemplo, ocorreu de forma virtual no dia 02/05 a partir das 10h. 

Aurélio Prates, artista integrante do Fórum de Cultura de Cidade Ademar e um dos articuladores da Conferência, opina sobre a importância das Pré-Conferências no processo de construção da Conferência: “As Pré-Conferências têm o papel de construir narrativas e diálogos territoriais, no caso dos distritos e subprefeituras da cidade de São Paulo, divididas em Norte, Noroeste, Sul, Sudeste, Centro, Leste e região Oeste, como também abrir discussões na construção de caminhos democráticos da participação popular e livre, dos setoriais, que aqui, no caso, são as linguagens artísticas.”

As propostas construídas nas Pré-Conferências serviram de base para apresentar um diagnóstico das demandas por territórios e linguagens artísticas, os rumos indicados e foram juntadas por relatores da Conferência para os debates envolvendo os interessados previamente inscritos. “Feitas essas Pré-Conferências, levanta-se um diagnóstico de ações e metas a serem discutidas de acordo com as necessidades de estruturação de programas de cultura, fomento e investimentos nas linguagens, ampliação do acesso aos bens culturais, como também a ampliação do mapa cultural da cidade, levando em conta os nossos territórios periféricos, que sangram com a desigualdade de investimentos públicos dentro de uma cidade que, por exemplo, constrói o seguinte cenário de exclusão: é sabido que 51% dos equipamentos públicos municipais de Cultura da cidade de São Paulo estão concentrados nas regiões de Sé e Pinheiros. Na contramão desse cenário, temos Cidade Ademar e Pedreira, com zero equipamento de Cultura em seu território, que está no topo da vulnerabilidade da cidade, como também tem um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade. Sendo assim, nossas Pré-Conferências trazem, como documentos, propostas de incluir no mapa de prioridades da maior cidade da América Latina e que se diz “Cidade Cultural”, as necessidades da classe artística e cultural, de nós, trabalhadores da arte, cujas metas, por nós encontradas, serão direcionadas à atualização do Plano Municipal de Cultura da cidade. Importante dizer e lembrar que o Poder Executivo (prefeito) e também o Poder Legislativo (vereadores) devem respostas quanto a colocar no mapa financeiro da cidade os territórios periféricos, a manutenção e ampliação dos investimentos dentro da vida artística da cidade e de todos os bens culturais por nós preservados, mantidos ao longo de nossa existência. Nós, profissionais da cultura, também fazemos parte da cidade e, como tal, merecemos respeito!”, afirma ainda Aurélio.

A abertura da Conferência ocorreu na sexta-feira, 21 de maio, a partir das 9 horas, com a leitura e aprovação do seu Regimento Interno, com as informações sobre a estrutura da Conferência e seus objetivos. Na sequência, foi apresentado por Aurélio Prates um histórico das lutas dos coletivos de Cultura na cidade de São Paulo, com avanços, recuos e acúmulos dos últimos 20 anos e, ainda, análises de conjuntura feitas por Bia Sankofa e Thiago Vasconcelos. Com a palavra aberta aos participantes, muitos se colocaram e apresentaram sua visão e expectativas diante das tarefas apresentadas pela Conferência. No período da tarde do dia 21, foram feitas as apresentações dos relatórios relativos às 21 Pré-Conferências setoriais, realizadas por seus representantes (Música; Artes Visuais; Audiovisual Periférico; Bibliotecas Comunitárias; Capoeira; Circo; Comunidades de Samba; Cultura Imigrante e Refugiados; Cultura PCD; Cultura Rock; Culturas Populares e Tradicionais; Dança; Espaços Auto-Organizados e/ou Independentes; Forró; Hip Hop; Movimentos de Teatro, Infância e Juventudes; Patrimônio Cultural e Memória; Reggae; Sarau, Slams, Literatura Marginal e Periférica; Teatro; Trabalhadores da Técnica).

No sábado, dia 22, pela manhã, ocorreram 9 relatos das Pré-Conferências territoriais, entre os agrupamentos das regiões da cidade (Zona/Região Sul – Marsilac e Parelheiros em conjunto com Grajaú; Zona/Região Central; Zona/Região Noroeste; Zona/Região Norte; Zona/Região Sul – Cursino, Sacomã e Ipiranga; Zona/Região Leste; Zona/Região Sul – Cidade Ademar, Pedreira em conjunto com Jabaquara; Zona/Região Sul e Sudeste; Zona/Região Oeste). Já no período da tarde, os participantes organizaram-se em 5 grupos temáticos de discussão, separados por Eixos Transversais:

  • Eixo 1 – Orçamento descentralizado, Fundo Municipal de Cultura (FMC), estrutura do Sistema Municipal de Cultura (SMC), gestão participativa e sistemas de informação e indicadores;
  • Eixo 2 – Equipamentos, espaços públicos e gestão colaborativa (incluídos programação / difusão);
  • Eixo 3 – Patrimônio material e imaterial, memória e acervos;
  • Eixo 4 – Iniciação artística, formação técnica, mediação cultural;
  • Eixo 5 – Cidadania, fomentos, sustentabilidade, produção simbólica, identidades, diversidades culturais e cadeias produtivas.

As discussões nos grupos de Eixos Temáticos deveriam ter sido concluídas no próprio sábado, mas tiveram que se estender pela manhã do domingo 23, devido à complexidade e profundidade dos temas. 

No domingo à tarde, ocorreu a Plenária, advinda dos debates dos Eixos e visando à sistematização das propostas para votação da redação final do texto, com as modificações e os acréscimos propostos e aceitos pela Plenária, por acordo ou votação, quando o acordo não fosse possível. Entretanto, pelo volume das propostas e intensidade dos debates, não foi possível concluir o documento ao final da Conferência, tendo sido aprovada a seguinte proposta:  A relatoria da Conferência se reunirá e sistematizará todos os documentos. Será marcada uma data para envio dessa sistematização às Pré-Conferências e outra data entre a relatoria das Pré-Conferências e a relatoria geral para aprovação desse documento. Ou seja, o documento final com o resultado dos debates ficou pendente.

Na avaliação do rapper Pirata, um dos articuladores do encontro, a Conferência, “na verdade foi muito positiva. A gente conseguiu juntar o território inteiro. Os diferentes se atrapalham, né, mas acho que a gente conseguiu manter o que foi…eu queria ter chegado ao final para criar os documentos, mas (a gente) mostrou que todo mundo consegue fazer, tem uma força, encontrou as pessoas. (Elas) se uniram, pelo menos ficaram três dias discutindo política na cidade, que é o mais importante, independente de resultados. É isso que eu enxergo. E aí tinha muito preto, tinha a periferia, pessoas trans, tinha classe média. Acho que todo mundo trocou ideia, falando como é importante a Cultura. Chegou a 450 momentos, porque cada dia tinha 150 pessoas.” Realmente, o que se viu durante todo o processo, desde as Pré-Conferências até os três dias de Conferência, foram muitas trocas, muito debate, muitas aprendizagens. A sociedade civil organizada para debater orçamento, patrimônio, formação, cidadania, participação, enfim, políticas públicas para a Cultura nos seus mais diversos aspectos.

A Cultura tem um valor simbólico intrínseco, mas também tem valor econômico e social, sendo, portanto, essencial para o desenvolvimento humano de cada cidadão, assim como fonte de emprego e renda aos trabalhadores das artes, sejam da equipe técnica, artistas ou produtores culturais. Dessa forma, cabe ao poder público fomentar as políticas necessárias aos desenvolvimento cultural e econômico, não cabendo censuras ou cerceamentos de qualquer natureza. Fortalecer a Cultura é fortalecer a cidadania de forma humanística e includente, mas é importante lembrar que a Secretaria Municipal de Cultura fechou suas metas mesmo sem estar cumprindo sua obrigação de convocar a Conferência de Cultura como determinado  pela lei. 

Compõem atualmente o MCCSP:

“Aliança Pró Circo; Associação Cultural do Rock; Cooperativa Paulista de Dança; Centro Acadêmico Célia Helena; Coletivo dos Oficineiros da Cidade de São Paulo; Cooperativa Paulista de Teatro; Fórum do Forró de Raiz SP; Fórum do Hip Hop MSP; Fórum do Reggae; Fórum dos Pontos de Cultura da Capital; Grupo de Ações Afirmativas em Cultura, Educação e Desenvolvimento Social; GT Capoeira; Movimento de Teatro para Infância e Juventude; Movimento SOS Técnica SP; Movimento SP Cidade da Música; Sated-SP – Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo; NAP – Núcleo de Articulação Preta pela Cultura; Sindicato dos Profissionais da Dança do Estado de São Paulo; SP Forró; SP Indígena; Coletivo Articula JMC; entre outros movimentos, entidades, fóruns e coletivos agregados que colaboram eventualmente com a construção das diversas lutas na cidade de São Paulo.”

Para entender mais: 

Imagem: Acervo pessoal do autor

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Escrito por Prof. Betinho

Roberto Bezerra dos Santos, professor Betinho, é formado em Letras pela USP e atua na rede pública de ensino desde 1996, sendo desde 2002 professor concursado de Língua Portuguesa no município de São Paulo e desde 2003 no município de Diadema. Ativista cultural, do movimento negro (Círculo Palmarino) e Hip Hop, é presidente de time de várzea (GRE Congregação Mariana). Facebook: professorrobertobetinho Instagram: profbetinho Twiter: profbetinho1973

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