Juventude e os desafios de viver na periferia

Formação profissional e opção cultural. Envolvimento social na comunidade. Descobrindo a ancestralidade e a consciência social e política.

Gente, falando pra nossa gente, o Expresso Periférico traz até vocês, a entrevista com o jovem trabalhador, músico e cantor aqui da região da Pedreira, periferia da Zona Sul de São Paulo. Periferia essa que, devido às desigualdades sociais e injustiças que vivemos no Brasil, a população moradora dessas áreas enfrenta uma gama de problemas, entre eles a falta de moradia adequada, emprego, saúde, cultura e saneamento básico. O nosso entrevistado aborda a situação da juventude dentro desta realidade.

Nasceu na região
E aqui foi criado
Aprendeu na família
Agir em coletividade
Lutar por melhorias
Desta comunidade.

Me chamo Arthur Correia, tenho 26 anos, nasci aqui nesta região mesmo. Atualmente moro no Jardim Santa Terezinha, próximo ao parque Sete Campos, bairro Pedreira, Zona Sul de São Paulo. Vivo com meus avós: seu Roberto e dona Helenice, que são os anjos da minha vida. Sou formado em processos gerenciais, trabalhei na área de documentos cópia, que é a análise de documentos para evitar fraudes. Nesse meio tempo me formei na área cultural, me tornando um fazedor de cultura: canto e toco instrumentos percussionistas.

Aprendi a participar de atividades sociais com minha família que sempre esteve à frente de alguma iniciativa coletiva, e isso é uma herança que está dentro de mim e se tornou uma coisa quase natural. Participo das lutas pela reconstrução do parque Sete Campos, do Conselho Gestor e por mais projetos culturais aqui para nossa região. No quesito cultural, saí da área em que trabalhava para me dedicar a esta questão, que é o que realmente adoro fazer. Na busca por melhorias aqui na região, participo também de outros movimentos populares e militância política.

Nos cultos afros
Cultura e resistência
Viver a ancestralidade
Adquire consciência
Combate ao racismo
E muita persistência.

Uma das questões que me fez despertar para as atividades sociais, foi quando, em 2014, ajudei a fundar, desde o primeiro tijolo, do terreiro de Umbanda Caboclo Pena Dourada e seu Sete, onde se discutia o amor e a dedicação ao próximo. Esse foi o ponto chave para me fazer compreender a importância da preocupação social, me fazendo abraçar causas em prol da comunidade, através da participação em lutas populares dos movimentos sociais. A vivência no terreiro foi fundamental para minha formação, com a descoberta e a valorização da minha ancestralidade afro, onde fui adquirindo convivência e passando a combater o racismo.

Na questão cultural, embora sendo um produtor, no momento não estou envolvido em um grupo específico, e sim, procurando fazer um mapeamento sobre espaços para este fim na região. O que temos na região é a luta pela Casa Cultural na Cidade Ademar e uma Casa de Cultura no Jabaquara. Neste levantamento, constatei que há vários grupos aqui nas proximidades, mas que não tem visibilidade e nem fomento para desenvolver seus talentos. Tenho feito contatos com o CEU Alvarenga, na busca por parcerias.

A vida da juventude
Na dura realidade
Muitos sem emprego
Ou na informalidade
Falta quase tudo
Inclusive oportunidades.

Quanto à juventude na periferia, acho que um dos problemas maiores é a falta de instrução, diretrizes e informações confiáveis. A maioria vai pelo que vê na internet, onde as informações nem sempre são de confiança. Do nosso lado como militantes, isto é agravado na medida em que não temos um trabalho de base nas escolas para conversar com a juventude. Já tivemos bastantes iniciativas com atividades de cultura, mas atualmente não temos. Os jovens querem melhoria de vida e alguma orientação, mas como falta formação e oportunidades, estes procuram aquilo que é mais rápido para se fazer, como trabalho informal ou envolvimento com drogas. Conheço muitos jovens com grandes talentos, artistas, mas sem meios e recursos para se desenvolverem.

Quanto à conscientização política da juventude, é preciso ter uma comunicação mais sucinta, mais direta com os jovens. Às vezes, a pessoa precisa passar por experiências difíceis para se dar conta da importância da política. Eu mesmo já passei por uma situação constrangedora no trabalho e isso ajudou a entender a importância sobre esta questão. Penso que os movimentos precisam estar mais próximos dos jovens, principalmente nos bairros periféricos, para conhecer a realidade e criar aproximação. Vejo que os evangélicos fazem este trabalho muito bem feito, vão ao encontro das pessoas, acolhem dando explicações e atenção. Os jovens precisam ser instruídos no lugar onde vivem.

Povo da periferia
Mais organização
Exigir os direitos e as
Leis da Constituição
Saneamento básico
Cultura e educação.

Um dos problemas mais sérios do bairro que eu acho é a falta de infraestrutura de saneamento básico. Outro ponto muito importante é a falta de coleta seletiva, de matérias que vão dentro do lixo, pois isso poderia gerar um processo de reciclagem. Soma-se a isso, a falta de sedimentar a cultura no território. Isso nos ajuda a ter mais identidade. Temos exemplos como em Paraisópolis, onde já se adquiriu uma cultura de organização e comunicação, onde a população consegue ter acesso às informações mais apuradas.

Sobre a descriminação racial, existe uma concepção muito conservadora na sociedade, vejo isso através dos próprios pais. Eu só fui perceber isso quando passei por uma experiência de discriminação. Então, às vezes as pessoa só enxergam isso quando sofrem na própria pele, o que faz sentir o peso e as marcas do preconceito. Outra coisa é que as pessoas ainda não aprenderam a se colocar no lugar delas. Vejo casos em que o negros também são racistas, por não ter noção do problema, isso vai se tornando normalizado. O ex-governo (o inominável) espalhou muitas sementes para disseminar o preconceito, o que tem causado muito sofrimento para vários grupos de pessoas. Tenho amigos que sofreram depressão por ter sofrido racismo. A gente tem a falta da abolição nas costas até hoje. Muita gente não sabe, mas a polícia militar foi organizada baseada na lei da vadiagem para reprimir os negros.

Sonhar é preciso
Com a coletividade
Tocando tambores
Com africanidade
Lançando a semente
Da nova sociedade.

Um dos meus sonhos mesmo é formar um grupo Afro no terreiro que ajudei a fundar. Isso está na minha cabeça e ninguém tira. Ė como falo pra minha Mãe de Santo, que o meu ofício é tocar tambor, Deus me deu este dom. Outro sonho é as as pessoas se relacionarem bem nas ruas, vencendo a ignorância e o ódio, ter mais coletividade. Romper com aquilo que o Criolo disse: “as pessoas se esbarram umas nas outras e se maltratam”.

“Eu vou à luta com
essa juventude que
não foge da raia dá
o troco vou no bloco
Dessa mocidade que não
Está na saudade e constrói
O amanhã desejado.”
(Gonzaguinha)

Fotografia: Jorge Marques (capa) e Acervo pessoal (texto)

Compartilhe:

Escrito por Juarez José

One thought on “Do som do tambor ao despertar da consciência”

Deixe um comentário