Poema de Marcela Rocha.

Eu ando bagunçada no mundo
e às vezes me desculpo erroneamente por isso.
Mas pesa toda vez que eu preciso me comunicar
porque eu não tô sabendo me expressar.
Nesse mundo onde já são poucos os que sabem ouvir,
eu tô aqui, explicando várias e várias vezes sem surtir efeito.
Enquanto no meu silêncio não tem segredo,
não tem cor, nem tamanho, cheiro ou forma,
nem palavra que descreva ou semelhança com nada.
Só que tá lá, respondido e resumido,
Isso eu posso garantir, isso eu posso espelhar
e saio observando tudo isso nos pequenos detalhes,
nos recortes do tempo onde tudo sempre vai mudando de lugar…
Mas no mundo, mesmo, eu tô bagunçada.
E é corrido, sofrido, ingrato, perdido…
Me enfiando perguntas goelas abaixo,
que eu tô com preguiça de responder…
Áudios e mais áudios, imensos, intensos,
rindo, chorando, brincando, brigando, cobrando.
É urgente, é sempre urgente
e onde é que fica a gente?
Eu preciso do tempo, não sei andar a jato pela vida,
eu preciso do silêncio, onde não tem segredo
e sentir diariamente o pulsar do meu corpo,
esticar pouco a pouco cada músculo, cada tendão e ligamento.
Encher o pulmão de ar, sentindo a expansão e retração do meu tórax

O ar passando pelo nariz, garganta, peito, costelas, diafragma…
Eu preciso ter tempo pra ver a luz e a sombra dançando nos objetos com o passar do dia
e assistir pelo menos uns 6 tons diferentes do céu no mesmo período.
E eu faço a maior bagunça pra somar esses tempos.
Não importa o dia, nem a hora, tem sempre um corre, é sempre urgente.
E a gente se arrasta no tempo, fazendo, fazendo…
É cobrança dos dinheiros, é cobrança das responsas,
é produtividade, é nome, é ego, é pressa ou pressão…
É medo, solidão, carência…
E eu preciso do silêncio pra entender esse barulho.
Me dá meu tempo aí, sem maldade…
Todos os dias tem terra no meu dedo indicador,
que tô sempre conferindo a umidade das plantas
Passo uma por uma, vendo o efeito do tempo…
Quando adoecem ou se curam,
quando nascem ou morrem …
E saio arrancando folhas velhas, mudando os vasos de lugar,
enquanto as estações mudam a luz do dia.
E aí elas dão flores, brilham…
E um dia as flores murcham,
como tudo na vida.
Mas aqui tudo se recicla, vira comida, tempero ou adubo…
Creme, chá, incenso e escalda-pés.
E tudo que nasce ali, me rega aqui…
Eu me bagunço no mundo exatamente assim,
Porque no mundo, tudo é instantâneo e tem validade…
Tudo é descartável.
Dos objetos aos sentimentos,
O nosso tempo é descartável.
E a gente sofre tanto o tempo todo, que nem paramos pra observar,
como até aquela dor que a gente nem quer falar,
também reciclou e ressignificou alguma coisa.
E não, eu não tô romantizando a dor aqui,
os processos do tempo podem trazer resultados bons ou ruins…
Mas a gente nunca tem tempo pra descobrir,
e vive doendo sem a gente entender.
Numa bola de neve cada vez maior, que quanto mais o tempo passa,
mais a gente usa a falta de tempo como desculpa,
pra não perguntar os porquês…
Eu não posso, entende?
Me perder no tempo,
acumulando perguntas, que nada no mundo vai me responder
Nada no mundo nem saberia responder,
nada no mundo nem tem tempo pra questionar.
Então eu paro.

E respiro.

Imagem: Bruno O.

Leitura em áudio: Lania Monte

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Escrito por Expresso Periférico

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