Por Marilene Gerônimo

Pensar a infância é prensar a ancestralidade. É um movimento do ontem, do hoje, dos que chegaram e dos que ainda estão por vir.

A presença de Ágata na minha vida só é possível por conta dessa sempre-criança Andressa. Ágata é a menina de Andressa, mas Andressa será sempre a minha menina.

E eu tenho tido a possibilidade de revisitar a memória da infância. As inquietações, as perguntas, as noites sem dormir, o carinho, o afeto, o abraço, o exercício da maternagem.

A infância tem o lugar do novo, do renovo, da possibilidade de desenvolvimento e do crescer. Eu comecei a minha vida dentro dos movimentos sociais justamente por conta da infância dos meus filhos, Andressa e também Jeferson. Olhar para estas crianças e entender as dinâmicas da vida, os processos educacionais, os atravessamentos do racismo, sobretudo na infância, onde as crianças negras e indígenas estão tão vulneráveis nesse modelo positivista e canônico que é a educação. Do projeto político pedagógico dessa educação a sociedade brasileira.

Fiz uma escolha, justamente por conta da infância, em atuar na defesa dessa infância, que essa infância fosse um lugar, e tivesse a possibilidade de ser fluida, de exercício de aprendizado. Sem atravessamentos. Sem interferência. Lembrando que isso não é uma utopia: é um posicionamento.

As mulheres, sobretudo as mulheres negras com os seus filhos e sua descendência, com a experiência de suas próprias infâncias atravessadas por essas opressões, cotidianamente busca na instrumentalidade da sua dimensão de vida uma forma de garantir (e defender) a infância da sua descendência. E assim, foi através do movimento social dentro das escolas que eu fui buscar a minha participação e contribuição, não só para olhar a dimensão da infância dos meus filhos, mas para pensar as infâncias dentro desse espaço,

Comecei fazendo parte do Conselho de Educação dentro da escola, onde justamente passei a minha infância. Eu sou de um período, de uma geração, em que havia, no mesmo espaço físico, o que era denominado pré e da primeira à quinta série. São faixas etárias e períodos distintos no mesmo espaço físico. Foi nesse lugar que pensei em buscar a discussão da infância, fazendo parte do movimento das mães, do Conselho de Educação. Uma forma, então, que percebi que poderia atuar na defesa da infância dos meus filhos e nas infâncias, sobretudo de crianças negras e pobres – também há esta distinção na escola.

Olhar hoje para a possibilidade de ser avó é revisitar essa infância, entendendo que esse tempo há também a necessidade de retomar esse posicionamento em defesa das infâncias, agora de minha neta Ágata. A descendência na família é sempre essa possibilidade do renovo. É olhar e entender que os passos vêm de longe e que a continuidade e manutenção desses passos é feita por quem já está para garantir a possibilidade dos que estão e dos que ainda virão.

A infância tem essa magnitude, essa possibilidade de construir outras epistemologias de saberes, de buscar outras práticas na defesa da infância entendendo que a infância tem uma particularidade, uma singularidade do sujeito, desses seres sociais inseridos nessa sociedade cheia dos porquês. Essa mesma sociedade que pode ser construída a partir de outro lugar. A infância, então, não deve ser pensada como um lugar da responsabilidade de quem vai atuar no futuro, ela precisa ser pensada exatamente naquele período entendendo que a infância é uma de tantas outras dimensões da vida desse ser social. Viver a infância na plenitude. O ancestral vivo desse ser que vivencia a infância tem que entender a responsabilidade que nós temos.

A infância é essa semente que é regada todos os dias com proteção, exemplo e sobretudo com abertura par entender essa singularidade. A infância é a possibilidade concreta do presente, e Oxalá, um futuro.

Ágata na minha vida é um renovo. É vivenciar nesse tempo um desejo do meu coração, é ver os filhos dos meus filhos. E que a ancestralidade me permita ver os filhos, dos filhos, dos filhos dos meus filhos, pra que esse renovo da infância se faça presente na minha vida.

Imagem: Acervo pessoal da autora

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Escrito por Expresso Periférico

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