Conto de Sintia Ribeiro

Estou aqui, sentada no meio da praça, lixo espalhado em todos os lugares. Vejo rodas de grama queimadas no chão, talvez tenham colocado fogo nas lixeiras desses espaços. Com certeza, não para limpar a sujeira que se acumula, mas talvez para esquentar o corpo do frio extremo das madrugadas.

Ao longe, escuto sirenes. É de uma ambulância que toca alto e insistente, penso que existem muitas pessoas desesperadas por aquele que está deitado dentro da ambulância, eu mesmo espero que a pessoa fique bem.

Colocaram um letreiro em frente à praça, nele passam propagandas de comida e de cremes de beleza… Fico pensando como seria sentar agora naquele restaurante e pedir o cardápio e, depois de uns minutos, – que para o garçom pareceria horas – escolher algum prato que lembrasse a comida que minha avó preparava aos domingos, quando todos os filhos se reuniam na casa dela para passar o dia. Também poderia pedir um macarrão que lembrasse o que a merendeira servia na escola, na hora da merenda, o qual eu comia 3 vezes. Parecia ser um amor eterno: eu e a fila da merenda, pois eu sempre estava nela.

Para ir ao restaurante, gostaria de usar aquele creme, ele tira rugas e manchas da pele, pelo menos é o que diz no letreiro. Ele tem um potinho tão pequeno que lembra aqueles iogurtes vermelhinhos, bem pequenos, que vende na bandeja com 8 e que se colocar tudo junto, não enche um copo. A embalagem do creme parece uma jóia rara, é muito bonita. Com o creme, acho que ficaria linda a minha pele, eu iria rejuvenescer uns 30 anos, quem sabe, poderia rever minha avó, e lá na casa dela, eu iria passar o creme de novo e ficar mais novo ainda e sair da sala de aula correndo para a hora da merenda.

O ônibus parou na minha frente, desceram 15 ou 18 pessoas, não sei ao certo. Fiquei olhando firme para elas, quem sabe não conheço alguém, não quero perder a oportunidade de cumprimentar e desejar um boa noite, mas eu esqueci que a máscara dificulta muito o que os olhos já têm dificuldade de fazer.

Aquele monte de carro parado está diminuindo. Há muitas pessoas abrindo suas garagens pra guardar o carro. Têm muitos chuveiros ligados, nesse horário. Na TV, tá passando as notícias do dia com algum casal que o trabalho juntou. Sinto o cheiro das panelas fervendo nos fogões: arroz, feijão…

Hora de levantar, o banco da praça é um bom lugar, mas não tem encosto para as costas que doem. A casa está a alguns passos, a descida até a cama é dolorosa e sempre tem um ser vivente desavisado que chega lá, antes que eu, e quando deito, fico com pena de quem estava embaixo.

O frio, na parede frágil azul, pode encerrar as lembranças hoje.

Imagem: Bruno O.

Gravação em áudio: Janaína Fidel

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Escrito por Expresso Periférico

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