O capitalismo nunca será mais “humano”

A enchente no Rio Grande do Sul atingiu 468 municípios, retirando a vida de mais de 169 pessoas, deixando 44 desaparecidas até o dia em que esse editorial foi produzido , 65 mil pessoas sem abrigo e 500 mil desalojadas. Esta é a maior tragédia climática do Estado, provocada por efeitos do fenômeno El Niño e o Aquecimento Global. Mas tudo isso poderia ter sido diferente se os governantes, defensores do capitalismo, tivessem ouvido a ciência e assumissem a responsabilidade diante da situação atual do planeta. 

O Estado do Rio Grande do Sul não foi alertado sobre o risco do desastre?

“Especificamente, há possibilidades de aumento de frequência dos eventos de cheia e inundações na região Sul e de eventos de seca nas regiões norte-nordeste”. Este, cara leitora, caro leitor, é um trecho do relatório Brasil 2040, encomendado pelo então governo Dilma Roussef. O documento alertava o país a respeito dos impactos das mudanças climáticas. Na época, não tomou a proporção de divulgação que merecia, porque havia um destaque muito forte sobre os riscos envolvendo as hidrelétricas e, naquela época, o governo investia pesado na usina de Belo Monte. Isso estragaria a imagem do investimento com o “mercado”. Então, o documento não veio a público como deveria. O que não tira a responsabilidade dos membros do Estado, pois tiveram o devido acesso ao relatório.

Neste documento, como você pôde perceber, a previsão de inundações do Sul já foram apontadas. O que foi feito a respeito? Você já deve ter a resposta.

Será que nós, da Zona Sul, corremos algum risco de sofrermos com as mudanças climáticas?

Na verdade, já sofremos. Você não reparou nas ondas de calor? Lembra que já tivemos sérios problemas com abastecimento de água, o que fez com que as represas trabalhassem com o volume de água residual (que não era considerado adequado)? A Acnur ( Alto-comissariado para as Nações Unidas dos Refugiados)  aponta que mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos foram registrados em 2020 devido a desastres do clima. Mais de 60% dos refugiados que se deslocam dentro do próprio país vivem em lugares afetados pelo clima. De acordo com o mesmo orgão, mais de 20 milhões de pessoas já tiveram que deixar suas casas por causa das questões climáticas e a América Latina já vem sofrendo forte impacto com o aquecimento global.  Quando o Expresso Periférico denuncia o capitalismo, provando o quanto nós, povo da zona sul, somos explorados e vivemos em péssimas condições para encher o bolso de patrão; quando afirmamos que este “jogo” está errado e que é preciso chutar o tabuleiro, estamos tentando explicar que estamos caminhando para um abismo. Se não fizermos isso, o planeta fará (talvez já esteja fazendo).

Mas como assim? Onde está a irresponsabilidade dos governantes?

Vamos dar dois exemplos:

Exemplo 1- Enchente na cidade de Porto Alegre (RS)

No Rio Grande do Sul, o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) solicitou a abertura de um procedimento para averiguar “possível negligência e omissão” da prefeitura em relação ao sistema de proteção contra enchentes. Segue alguns dos questionamentos:

  • O que foi feito em 2018 quando engenheiros apontaram falhas no sistema de descarga de bombas do rio Guaíba?
  • O processo administrativo para conserto de problemas nas bombas foi interrompido em 2019. Por que ele ficou três anos parado? Outras medidas para o conserto foram tomadas nesse meio tempo?
  • A falta de manutenção e qualificação do sistema de proteção à chuva poderia ter evitado o agravamento dos danos causados pela elevação dos rios em abril e maio de 2024?
  • A prefeitura considerou as orientações do IPCC (painel intergovernamental sobre mudanças climáticas) e do Plano de Ação Climático da cidade em suas ações nos últimos anos?

Exemplo 2- “Ônibus Aquático” de São Paulo.

O primeiro transporte hidroviário público de São Paulo foi inaugurado no dia 13 de maio. Na verdade, a inauguração deveria ocorrer no dia 27 de março, mas foi barrada pelo Ministério Público por não haver os devidos estudos sobre os impactos ambientais. A empresa TransWolff, responsável pela operação do transporte, no momento segue investigada por suspeita de ligação com o PCC, deixando o serviço na mão da SPTrans. A CETESB  alega que “não vislumbrou impactos ambientais representativos”, o que garantiu o funcionamento do ônibus. No entanto, os cientistas do Laboratório de Análise Ambiental do PROJETO IPH – ÍNDICE DE POLUENTES HÍDRICOS UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL – USCS s vêm alertando sobre os perigos envolvendo o transporte, dentre eles:

  1. Não cumprimento da LEI ESPECÍFICA DA BILLINGS
  2. Não cumprimento do RITO da instalação/implantação de QUALQUER grande empreendimento como esse: Estudo de Impacto Ambiental e seu Relatório de Impacto Ambiental, Estudo de Impacto da Vizinhança, Audiências Públicas
  3. Nenhum conhecimento do projeto pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e seu Subcomitê Billings-Tamanduateí
  4. Ausência do Estudo de Batimetria e do Conhecimento do Fundo do Reservatório nessa área
  5. Possibilidade de revolver o fundo do reservatório que é altamente comprometido com poluentes biológicos (manto fecal) e químicos
  6. Risco da travessia dos barcos, por causa da profundidade e das características do reservatório
  7. Risco do aumento das ocupações nas duas margens.

Como você pode ver, cara leitora, caro leitor, o descaso com os estudos que envolvem o meio ambiente, ainda mais quando se trata da relação desses com  a população mais pobre, é absurda. É esse tipo de negligência que colocou o estado do RS em situação de despreparo. Agora, depois de todo o estrago, não é a “mão invisível do mercado” que está salvando vidas e reconstruindo o lugar, são os recursos do Governo Federal e da sociedade civil. A JBS, empresa que devasta a natureza dessas e outras regiões do país com desmatamento, doou apenas 1% de seu lucro do primeiro trimestre.

 Por isso, lutamos por um governo popular, que busque a garantia de dignidade ao povo e respeito à natureza. O capitalismo depende da exploração para existir e jamais será “mais humano”. Ele seguirá destruindo a natureza e ceifando vidas em troca de lucro. Nosso tempo está acabando. Seja um leitor do Expresso Periférico e conheça os espaços de luta da Zona Sul.

Imagem: Diego Vara/Reuters

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Escrito por Gabriel Messias

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