Por Pedro da Bica e Mauro Castro

Como milhares de nordestinos, Pedro Manuel Araújo, Pedro da Bica, que poderia ser Pedro pedreiro, saiu de São Luís no Maranhão ainda muito jovem e chegou a São Paulo para tentar a vida. 

O ano é 1979, numa época em que as periferias estavam em ebulição, muitos trabalhadores e trabalhadoras lutavam por melhores condições de vida e grande parte dos moradores eram compostos por nordestinos que buscavam realizar o sonho na grande metrópole. 

Pedro chegou com o objetivo de arrumar emprego e, recém-saído da Marinha, trabalhou por dois anos e meio numa empresa privada quando busca São Paulo aos 24 anos de idade. 

Hoje, com 71 anos, teve passagens pela prefeitura de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina. Trabalhou na construção civil através de uma pequena construtora, tendo a oportunidade de construir muitas casas.

Hoje, aposentado, continua na militância, com muita alegria e saudade dos amigos que fez na luta por moradia. Foi candidato a deputado pelo PSB e depois também candidato a vereador. Retornou ao Maranhão para ser candidato a vereador apoiado por Luíza Erundina.

É, portanto, dono de uma trajetória exemplar, mantendo-se ativo, apoia o Movimento Sem-Terra da Vila Clara e está presente, por exemplo, na disputa dos moradores com a Sabesp que, para construir a caixa d’água próximo ao céu Caminho do Mar, tomou área da Comunidade. Por outro lado, a Dersa também alega ser proprietária da área. Muitas brigas foram e estão sendo travadas e, segundo Pedro, a rua em frente à padaria Trevo, ao lado da associação da rua Muzambinho, é exemplo de militância viva da qual tem participado Pedro da Bica. 

As lutas permanecem e, como exemplo, resgata as disputas com a Dersa. Lembra que na construção das Águas Espraiadas, na Vila da Imprensa, também existe um túnel que passa entre a padaria Trevo e a Igreja São José, pronto e lacrado, à espera do anel viário que deveria ir no sentido da baixada e centro da cidade. 

São memórias que devem ser registradas para mostrar a heroica resistência do povo brasileiro que atuou e atua em nosso território, a exemplo do Pedro da Bica. Segundo Pedro, ainda fica o sonho de escrever um livro com a história da criação dos movimentos de favela em nosso território e em São Paulo. Pedro é o exemplo mais completo do que representa boa parte dos moradores que se concentram na periferia dos grandes centros urbanos, principalmente em São Paulo.

Pedro, com o objetivo de encontrar uma moradia e, como migrante determinado em busca de um canto para recomeçar a vida, procura informações para conseguir um pedacinho de terra para morar, prática comum de quem chegava em São Paulo.

Infelizmente o poder público não ampara e, numa época de desemprego, teve que se acomodar com o aluguel. Pedro relata que, com o desemprego, buscou a secretaria de assistência social, localizada à época na Vila Mariana, na rua Joaquim Távora, para tentar solucionar a necessidade básica: um canto para morar.

Na secretaria de assistência social do município de São Paulo Pedro, segundo relata, teve a oportunidade de encontrar Luiza Erundina, Luizinho, Ermelina, Iara e outras tantas assistentes sociais que foram decisivas na trajetória para ter acesso a aquilo que é essencial na vida das pessoas, um local para morar. 

À época também, através das assistentes sociais, foi informado a respeito da criação do movimento Unificado das Favelas, MUF. Imediatamente integrou-se ao coletivo que estava sendo organizado na paróquia Nossa Senhora Aparecida e, na oportunidade, encontrou outros companheiros como o Gercindo, camarada de trajetória na luta pela moradia. A luta incluía reivindicar luz e água, pois, na década de 1980, havia restrição por parte do poder público para prover as comunidades do básico como água e luz. Na trajetória, além de Gercindo, Pedro teve a felicidade de somar forças com Miriam, Getúlio e “Seu” João, da cidade de Santos, lutadores e lutadoras anônimos que foram determinantes para garantir dignidade aos moradores das favelas 

Pedro lembra que, para além do acesso à moradia e a infraestrutura básica, o movimento contribuía com agasalhos, roupas, móveis e, muitas vezes, suporte financeiro para famílias que, em momento de dificuldade, era necessário o apoio do coletivo para manter a luta com dignidade.

MOVIMENTO DAS FAVELAS: UMA LUTA HISTÓRICA

O movimento das favelas, criado no final da década de 1970, atuava em várias regiões da cidade de São Paulo. Aqui, em nossa região, as primeiras favelas que se envolveram no processo organizativo foram: Cidade Azul, núcleo que enfrentava grandes dificuldades, favela Maranhão 1 e 2, favela da Light, favela Sebastião Afonso, Ângelo Cristianini e Canto da Noite, que compunham um conjunto de moradias que estavam abandonadas pelo poder público.

Nessas comunidades, existiam diversas lideranças que atuavam com determinação para conquistar direitos básicos. Pedro cita o exemplo de Dona Luzia, já falecida, lutadora do movimento que empenhou  boa parte de sua vida na luta por direitos do povo das favelas.

Na caminhada, outras comunidades se somaram, constituindo um movimento que se tornou referência na cidade de São Paulo. Foi batizado com o nome de MUF, Movimento Unificado das Favelas, dentro da igreja Nossa Senhora Aparecida no Jardim Miriam, e contou com a participação de muitos companheiros 

Nos encontros, que se realizavam no salão da Igreja, grandes companheiros como o Gabriel, Cidinha da Cidade Azul que, por conta de sua tenacidade e luta junto ao movimento, conseguiu moradia. Somou- se também o coletivo de assistentes sociais, determinante no processo de organização do movimento

UM EXEMPLO DE TENACIDADE E RESISTÊNCIA 

Na luta, foi “rebatizado” como Pedro da Bica.

O esforço foi muito, com conquistas, vitórias e derrotas, Pedro da Bica continua! No final da década de 1980, a eleição da prefeita Luiza Erundina, fez toda diferença e o movimento não se limitou apenas a cobranças pela moradia. Relata Pedro que muito sucesso foi obtido mas também dificuldades, principalmente após o fim da gestão da então prefeita Luiza Erundina. Pedro lembra, com muita propriedade, que a intenção da direita era massacrar a esquerda. No processo de resistência, muitas dificuldades foram surgindo. Porém, mesmo após o enfraquecimento do movimento, nasceram outras lideranças. O nome do movimento foi trocado e recebeu diversas outras nomenclaturas.

Vale registrar que a criação do movimento de moradia se deve à ação da Central de Favelas que teve início na Igreja N.S. Aparecida e foi registrada como Central dos movimentos de moradia do Jardim Miriam, onde nasceu e lá foi batizado. 

Lembra que todas e todos sabem ou deveriam saber que o MUF, Movimento Unificado das Favelas foi pioneiro na defesa da moradia. Pedro da Bica e companheiros ocuparam 5 áreas: Santo Estevão, então área da prefeitura, com mais cinco famílias, a Teodoro Cabral, acima Santo Estevão, com outras cinco famílias e de lá, avança para Taquaruçu e Bica, onde teve muitas dificuldades, até porque a área era muito próxima da 35ª DP. Lembra do processo de reconhecimento, que gerou um documento assinado pelo então prefeito Mario Covas. Após esse período, vieram a ocupação da Oiticica, uma área que hoje está completamente regulamentada, inclusive com impostos sendo recolhidos. Área que se dividia entre municipal e particular, foi transformada numa quadra sendo, portanto, uma área bem urbanizada, muitas vitórias foram conquistadas. 

Lembra que ainda resta muita vontade de trabalhar e atuar na comunidade. Reconhece que o movimento, com as características com que foi criado, agora não mais existe.

Recorda que, entre os feitos e, ainda na gestão da prefeita Luiza Erundina, uma área foi ocupada, juntamente com o Movimento Sem-Terra, onde 300 famílias foram organizadas de maneira secreta durante três meses em reunião para não despertar a desconfiança da polícia malufista. Foi um processo com muita dificuldade, superada numa ocupação que demorou 30 minutos numa quinta-feira, véspera de feriado, onde foram montados trezentos barracos.

A chegada da polícia foi muito rápida. O  café já estava pronto pelas companheiras.

Quando o comandante chegou com o batalhão para despejar, todos estavam muito organizados e com os barracos erguidos, crianças já estavam dormindo. O movimento tinha apoio de advogados: Dr. Vidal e José Mentor, o padre Domingos da Igreja São Judas e o médico Dr. Edmundo, que à época atuava nos movimentos sociais no território. A polícia percebeu que não tinha o que fazer diante de uma situação consolidada. O comandante da tropa orientou recuo diante da documentação que estava em mãos. A própria polícia reconheceu que a prefeita também fazia parte do movimento.

Essa ocupação se revelou uma grande vitória.

No dia seguinte à ocupação, a imprensa já estava de prontidão. Deu uma vasculhada e nada encontrou! Lembra que o movimento possuía uma cartilha, que foi criada e redigida na igreja. A marcha dos sem-teto à Brasília foi também criada e organizada na Igreja Nossa Senhora Aparecida. Nesse processo, foi gestado o projeto que compreendia o direito à posse do terreno na comunidade por 99 anos. Para legitimar a solicitação, recebeu 1 milhão de assinaturas.

Pedro Insiste que o projeto foi criado pelo Movimento de Favelas e foi mandado para Brasília, projeto de ocupação em área particular. A proposta é que a partir de 1 ano e um dia, o morador poderia solicitar o usucapião desde que passasse a pagar o IPTU da área.

Lembra que se o proprietário não estiver na posse e outra pessoa pagar o IPTU da área, assume a posse. Esclarece que é uma relação parecida com o aluguel: estando você dentro do imóvel, deve zelar para sua conservação e cumprir as obrigações legais.

O Movimento colaborou com as definições das regras, com participação das assistências sociais. Por outro lado, o poder público mantinha representantes contrários aos interesses da população. 

Era uma época muito difícil para ser atendido por prefeitos, tendo em vista que a cidade de São Paulo atravessou um período governador por Maluf e Pitta e, mesmo o governador Franco Montoro, limitava o número de representantes dos movimentos a serem atendidos, que demorava a manhã toda para tirar uma comissão.

Hoje pouco avançou!

Temos como exemplo a favela Nova Minas Gerais, que foi desapropriada e os moradores foram colocados em ninho de pombo, contra a vontade do movimento. Soma-se a negligência do poder público onde muitas famílias foram alocadas nos prédios de Guaianases, Santa Etelvina e Itaquera, onde as construções foram feitas sobre aterros que, posteriormente, sofreram afundamentos. Muitas pessoas das Águas Espraiadas foram levadas para essas moradias!

A discussão no movimento era que toda remoção deveria ser para uma moradia decente. Com muitas dificuldades e “muita briga”, o movimento de luta por moradia ainda se mantém, apesar de mudanças no nome.

Relata, ainda: pouco avançou! Temos, no caso Vias Espraiadas, dois quilômetros para sair na Imigrantes. A Roberto Marinho, superfaturada, com um custo muito grande!

Veio o fura-fila, criado na gestão do prefeito Pitta, que transita do Sacomã ao Parque D. Pedro e a Água Espraiada acabou! Há previsão para que, em 2026, o pedaço do metrô que começa no aeroporto chegue até o shopping Morumbi. Provavelmente, com muito dinheiro desviado e muita confusão, envolvendo prováveis desvios. É sabido que há disputas entre o atual prefeito Ricardo Nunes e o Governador Tarcísio de Freitas, que, provavelmente, se resolverá. Enquanto isso o problema da área de risco das Águas Espraiadas e o pedaço da favela da Alba continua sem solução adequada para os moradores, que vivem em condições precárias. Por outro lado, na canalização de um pedaço da Rua Jupatis, correspondendo a 12 metros, foram gastos 6 milhões de reais. Valor, aparentemente, muito fora do custo real.

Por fim, precisaríamos de um tempo muito maior para relatar toda a trajetória de luta!

Pedro da Bica continua em atividade, sendo um companheiro que se mostra solidário com quem mais necessita.

Um verdadeiro lutador do povo brasileiro, que nunca se deixou intimidar pelas adversidades que a vida apresenta, sobretudo porque, durante sua longa trajetória em defesa da moradia, percebeu que o caminho se constrói na luta e a solidariedade é determinante para conquistar um mundo desprovido da ganância, que só beneficia alguns poucos.

Imagem: Jorge Marques

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Escrito por Expresso Periférico

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