A história do Brasil e do mundo frequentemente omite as mulheres negras. Não as reconhecem como pesquisadoras, criadoras de conhecimento

Dia 25 de julho comemoramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e, no Brasil, é também celebrado o dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Tereza de Benguela foi uma mulher que no século 18 liderou o Quilombo de Quariterê por 20 anos. Após o assassinato de seu companheiro, José Piolho, e líder do Quilombo na região onde hoje se localiza o Mato Grosso, foi Tereza quem montou uma administração que contava com a formação de um conselho com funcionamento parecido ao de um parlamento e ela comandava a estrutura política, econômica e administrativa do Quilombo. Mantendo um sistema de compra ou conquista de armas dos brancos, forja para transformar os grilhões em ferramentas e objetos úteis, além da agricultura e produção de algodão. Desta forma conseguiram resistir por duas décadas mantendo cerca de 100 pessoas de origem negra e indígena protegidas da desumanização no período escravocrata.

Quanto à celebração do dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, foi instituída em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, fruto do 1º encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, também reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O encontro teve como objetivo denunciar a opressão e discutir soluções na luta contra o racismo e o sexismo vividos, em especial, por essa parcela da população feminina, dando visibilidade à luta das mulheres da região. Essa data relembra o marco internacional de luta e resistência da mulher negra para reafirmar a necessidade de enfrentar as violências vividas até hoje por mulheres que sofrem com a discriminação racial, social e de gênero.  

A Associação de Mulheres Afro, na América Latina e no Caribe, informa que 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes. Quando falamos na população brasileira, o IBGE aponta que 55,5% da população de identifica como negra, divididas entre pretos e pardos. Todavia, tanto no Brasil quanto fora dele, essa parcela populacional também é a que mais sofre com a pobreza: três em cada quatro são pessoas negras, ainda segundo o IBGE.

Qual a importância das manifestações no dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha – 25 de julho?

Em 1992 mulheres de diversos países se reuniram na República Dominicana para abordar a situação das mulheres negras, devido às desigualdades e altas taxas de violência. Hoje, 32 anos depois, ainda constatamos um aumento preocupante desses índices.

A edição do Atlas da Violência, publicação anual do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que a taxa de homicídios para mulheres negras cresceu no país 0,5% entre 2020 e 2021. No mesmo período, houve redução de 2,8% para as mulheres não negras, que incluem brancas, amarelas e indígenas. Em 2021, 67,4% de mulheres negras foram vítimas de homicídio no Brasil.

No dia 25 de julho, vários coletivos e movimentos de mulheres negras uniram esforços em prol de mais direitos, como educação, saúde, assistência social, moradia digna e emprego digno, pela eliminação de todas as formas de violência racista, machista e lgbtfóbica, pelo fim do genocídio da juventude negra e periférica, contra a intolerância religiosa, pela valorização e preservação das religiões de matriz africana, e pelo reconhecimento da posse de terra pelas comunidades quilombolas, entre outras causas.

A história do Brasil e do mundo frequentemente omite as mulheres negras. Não as reconhecem como pesquisadoras, criadoras de conhecimento, gestoras competentes e ressaltar essa potência auxilia no processo de desconstrução da tentativa de invisibilizar a importância da mulher negra na sociedade.

Assim como Tereza de Benguela em 1750 fez uso de todo o conhecimento do povo negro, desenvolveu e aplicou novas tecnologias, mapeou territórios levantando suas potências e transformou uma sociedade, temos nós hoje que aquilombar para garantir vida digna para todas as pessoas e em especial para as mulheres pretas que estão sendo dizimadas. Os números apontados pelo Ipea e IBGE sobre a crescente violência contra as mulheres negras não são apenas estatísticas. São mães, filhas, esposas, estudantes, trabalhadoras. São mulheres negras.

Quem deve participar das atividades, atos, rodas de conversa, manifestações diversas antirracistas, antimachistas e antissexistas?

Só a mulher negra? Por um acaso é a mulher negra a causadora desse mal?

Segundo IBGE, o censo de 2022 aponta que o número de pessoas negras no Brasil é de 55,5%, mais do que a metade da população. Porém, esse mesmo censo mostra que as mulheres negras são as que mais sofrem violência, as que recebem os menores salários, as que gastam mais tempo nas tarefas domésticas, que participam menos do mercado de trabalho formal e as que são mais afetadas pela pobreza.

Essa luta por igualdade é só das mulheres?

Em uma das inúmeras atividades que ocorreram no Brasil no 25 de julho, numa roda de conversa no território de Cidade Ademar – São Paulo, as pessoas que participaram refletiram sobre a importância de ampliarmos os espaços para se conversar com segurança sobre o assunto, de se pensar em políticas públicas, em moradia, emprego e renda e vida digna para todas as pessoas. Através de algumas frases transformadas em “quase” poema que as leitoras e leitores poderão apreciar abaixo, as pessoas que participaram foram firmes em registrar que a mudança depende da ação conjunta de toda a sociedade e que é preciso transformar a vida da mulher negra para transformar o mundo.  

Vamos a falar sobre nós?

Nós somos a materialização da ancestralidade.
Somos o navio negreiro, somos a força ancestral.
Nossas mães tinham letramento de vida.
E nos ensinaram que aquilombar-se é ação, é transformação.
A gente não estava fugindo, estava se organizando
E vamos novamente nos juntar e lutar.

A mulher preta precisa de espaços seguros para abrir o coração
Como a gente se protege? Das nossas próprias inseguranças, medos e dor.
Desse sistema racista que nos arranca nossos filhos dos braços
Assim como fazia na senzala aquele antigo senhor.
As mortes dos negros não viram noticia, viram estatísticas.

E por isso vamos aquilombar.
Acolhimento é ato político
Assim como estudar, aprender e se engajar.
Vamos às lutas organizadamente

Cada preta está carregando uma Tereza, uma Dandara e tantas outras dentro de si.
Sigamos criando estes espaços seguros para acolher mais mulheres
As novas gerações têm onde se sentir representadas.

A gente precisa se amar, temos direito de viver
O espaço nós mesmas somos.
Nossa cor é nossa veste.
Nossa cor chega na frente.

O 25 de Julho significa revisitar, escutar e compartilhar
As mulheres históricas, hoje não estão longe de nós
Estamos andando.

(Autoria coletiva)

Imagem: Coletiva de Mulheres

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