A produção de conteúdo artístico na periferia precisa ir muito além do lúdico e do simples entretenimento
A construção deste artigo começa bem antes da reunião marcada com o coletivo Black In Lak’Ech, no CEU Alvarenga. No caminho até o local da reunião, fiquei retido num trânsito infernal que, simplesmente, travou ali na entrada da Estrada do Alvarenga. Reunião marcada para as 18h. Saí de casa às 16h30, do Jabaquara, mas só consegui chegar no compromisso um pouco depois das 20h. Gravei um vídeo com meu celular e fiz minha denúncia no Movimento Salve São Paulo.
Resolvi dedicar o primeiro parágrafo do artigo à descrição desse episódio, pois o transtorno que enfrentei, de fato, é parte do cotidiano dos moradores do território e dos trabalhadores do sistema de transporte coletivo daquela região; é parte da rotina de desafios, dificuldades e luta constante da população local e tem uma forte relação dialética com o trabalho e a luta realizada pelo coletivo Black In Lak’Ech. Importante, também, registrar a valentia e a compreensão da galera do coletivo que esperou, com muita resiliência, até minha chegada na sala multiuso do CEU Alvarenga, onde fui recebido com muito calor humano e sorrisos acolhedores.
O coletivo Black In Lak’Ech surgiu em meados de 2022 e teve origem num desses encontros mágicos entre dois grandes amigos que estavam envolvidos no trabalho de um videoclipe: Brena Alves (Blue) e Vine Walker.
Durante esse trabalho com o projeto do clipe, surge a ideia de organizar um grupo com o propósito de gravar e produzir conteúdos próprios. Isso em plena pandemia.
Nas noites escuras, em encontros no Parque dos Sete Campos, na região de Cidade Ademar em São Paulo, a ideia foi amadurecendo. Então, Brena e Vine decidem convidar outras pessoas, com objetivos parecidos, para participar do projeto que, inicialmente, visava somente produzir dança. Desse modo, é formado o coletivo em atividade atualmente: Brena Alves (Blue), Vine Walker, Daniel Marques (DJOdan), Robs Niggay, Vancéli Masta e Arthur Correia.
Com o suporte do artista orientador, Daniel Marques, o coletivo segue evoluindo para um novo formato, com novas finalidades. Nesse momento do processo de evolução do grupo é criada a peça teatral O Peso do Corpo que Risca, “um caminho interessante pra gente mostrar a nossa arte e a cultura do lugar que a gente vivia”, diz a atriz Brena Alves (Blue). O coletivo tem se apresentado em vários lugares com sua peça O Peso do Corpo que Risca, a princípio, misturando vários ritmos e danças periféricas até chegar à definição de uma identidade narrativa corporal com o Funk.
O coletivo é formado por artistas do território, região de Cidade Ademar (Pedreira e Pantanal). Pessoas comuns que, muitas vezes, precisam trabalhar em outras atividades, pois viver da dança é muito difícil. São mães, são pais, são filhos, gente que trabalha e estuda, que tem boleto para pagar no final do mês.
Assim, a proposta do Black In Lak’Ech com a peça é apresentar, em essência, uma narrativa que vai além do lúdico, do entretenimento. O Black In Lak’Ech quer mostrar que o povo da periferia, que o artista periférico é capaz de produzir com qualidade e, mais do que apenas sobreviver, é capaz de viver dos seus trabalhos e conteúdos.
Black In Lak’Ech significa: preto, representando a etnia negra que foi retirada da África, passando pela exclusão e dominação do homem branco. E “In Lak’Ech”, expressão originária dos povos Maias, que significa “Eu sou você”, ou numa tradução moderna “Eu sou o outro você”. “Black in Lak’Ech”, ou “Eu sou o outro você preto”, fala, portanto, sobre unicidade, igualdade e resiliência.
O coletivo Black In Lak’Ech tem as seguintes datas já agendadas para apresentação da peça O Peso do Corpo que Risca, com novas leituras e propostas.
17/05 – 19h (Frei Tito)
21/05 – 14h (CEU Alvarenga)
30/05 – 19h30 (CRD – Centro de Referência da Dança de São Paulo)
06/06- 14h (Fábrica de Cultura Brasilândia)
“A gente vive o que a gente mostra”, completa Brena Alves.
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Imagens: Jorge Marques